24 de outubro, 2008 - 21h47 GMT (19h47 Brasília)
Alessandra Corrêa
Da BBC Brasil em São Paulo
Brasil pode ganhar poder com 'nova ordem mundial', dizem especialistas
A crise econômica mundial está provocando mudanças profundas na geopolítica e, nesse novo cenário, o Brasil pode assumir um papel de maior destaque, afirmaram especialistas reunidos nesta sexta-feira em São Paulo.
Segundo o historiador Paul Kennedy, da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, o "momento unipolar" (expressão cunhada pelo analista Charles Krauthammer) surgido após a Guerra Fria, em que os Estados Unidos assumiram uma posição de grande poder, dá mostras de estar chegando ao fim.
Diretor de Estudos de Segurança Internacional de Yale, Kennedy atraiu atenção mundial no final da década de 80, ao lançar o livro Ascensão e Queda das Grandes Potências, em que discutia o declínio dos Estados Unidos.
De acordo com o professor, se no aspecto militar os Estados Unidos continuam sendo uma grande potência, na área econômica e de finanças o cenário é diferente.
"Mesmo antes da crise dos mercados de subprime já era possível perceber uma mudança de poder, com a crescente influência de outras partes do mundo, como a Ásia", disse Kennedy, um dos palestrantes da conferência "Mudanças na balança de poder global: perspectivas econômicas e geopolíticas", promovida pelo Centro de Estudos Americanos da FAAP e pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso.
Segundo Kennedy, a atual crise deve marcar o início de um mundo multipolar, no qual os países são interdependentes e estão interconectados. "A crise mostrou que o Fed já não pode agir sozinho", disse. "Os países devem trabalhar juntos".
Com essa nova realidade, disse Kennedy, ganha cada vez mais importância o chamado "soft power" - termo criado pelo professor de Harvard Joseph Nye para definir o poder de uma nação de influenciar e persuadir, sem uso de força militar, mas pela diplomacia.
Entre os países que poderiam exercer esse tipo de influência, os especialistas citam o Brasil.
De acordo com o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, que também participou da conferência, apesar de o Brasil não ter poder militar, tem relevância na área de cooperação econômica e pode exercer o "soft power".
China
Nessa nova geografia política e econômica que se desenha, a China tem papel de destaque.
Para o especialista em teoria financeira Zhiwu Chen, professor de Finanças em Yale, a China poderá emergir mais forte da crise, em posição de liderança.
Chen disse, porém, que o governo chinês não está preparado para assumir essa liderança no cenário internacional.
"Não acredito que a ascensão da China represente uma ameaça para os Estados Unidos", afirmou. "Os dois estão interligados."
Segundo Chen, com reservas de quase US$ 2 trilhões, a China pode ajudar os países mais atingidos pela crise e também parceiros comerciais importantes, como o Brasil.
Chen disse que a crise deverá ter um forte impacto na economia da China no curto prazo, afetando especialmente o setor de exportações.
"No entanto, (a crise) poderá ser também uma grande oportunidade para a China", disse Chen. "Deverá forçar o governo a promover mais reformas fundamentais."
O especialista afirmou ainda que, apesar das mudanças provocadas pela crise, "não se deve subestimar a habilidade da economia e da sociedade americana de corrigir erros".
"Eles conseguiram sair da Grande Depressão ainda mais fortes", disse.
Mudanças
O consenso entre os especialistas que participaram da conferência é de que as relações entre os países não serão as mesmas depois da crise.
De acordo com embaixador Sergio Amaral, diretor do Centro de Estudos Americanos da FAAP, meio ambiente, terrorismo e energia serão algumas das preocupações conjuntas do mundo multipolar.
Para Amaral, há indícios de "fadiga" do processo de globalização. Além disso, na sua opinião, o mundo depois da crise tende a ser marcado pela "volta da regulação estatal, o fechamento das economias e muros contra a imigração".
O diretor de publicações do Centro para o Estudo da Globalização da Universidade de Yale, Nayan Chanda, disse que o mundo atual está baseado em quatro pilares: sistema capitalista, equilíbrio nuclear, manutenção da governança por meio da ONU e o sistema de comércio global.
"Os quatro estão abalados", afirmou.
De acordo com Chanda, o equilíbrio do poder nuclear foi quebrado com o surgimento de novos países nesse cenário, como Israel, Índia, Paquistão, Coréia do Norte e, possivelmente no futuro, Irã.
O comércio global também dá sinais de enfraquecimento, principalmente após o fracasso das negociações da Rodada Doha, afirmou Chanda.
Ele citou ainda o aumento do protecionismo e do sentimento contrário aos imigrantes como aspectos do novo cenário mundial.
Nessa nova realidade, Chanda destacou a rapidez com que os países reagiram à crise, a diáspora que faz com que a população mundial tenha se espalhado e pode ser uma barreira contra o nacionalismo, e o papel de destaque das comunicações no sentido de integrar o mundo.
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