Segue a reportagem publicada nesta data no suplemento do NYT junto da FSP. Vale a pena ler. Atentem para os conceitos de fé e crença em relíquias, quantidade de pessoas nas filas e o fato disso acontecer numa ex-nação comunista.
"Crença de relíquia da Virgem Maria em Moscou
POR SOPHIA KISHKOVSKY
MOSCOU - Desde a manhã até a noite, dezenas de milhares de russos vêm enfrentando longas filas no frio gelado, com um objetivo apenas: beijar um relicário envidraçado que acreditam conter um cinturão usado pela Virgem Maria.
As pessoas aguardam até 12 horas sem se queixar numa fila que se estende por quilômetros. Em qualquer momento dado há cerca de 25 mil pessoas na fila, segundo estimativas de organizações noticiosas. No final de novembro, mais de 300 mil fiéis já tinham conquistado seu momento com a relíquia, segundo a Fundação Santo André Protocletos ("o primeiro a ser chamado"), que organiza a visitação.
O primeiro-ministro Vladimir Putin foi o primeiro a saudar a relíquia sagrada quando ela chegou a São Petersburgo, em 20 de outubro, vinda de um mosteiro ortodoxo grego, para um percurso de um mês pela Rússia.
De todos os países industrializados, talvez apenas a Rússia supere os Estados Unidos em matéria da religiosidade de sua população. Dois milhões de russos veneraramo a relíquia antes de sua escala final, em Moscou.
"Viemos para que possamos viver bem, sermos felizes e saudáveis, pelo bem de nossos filhos", falou a aposentada Anna Kozlova, 68, que entrou para a fila numa noite com sua filha Oksana Kulikova, enfermeira. Ambas vestiam casacos de pele para se protegerem do frio.
Kulikova disse que pretendia ir diretamente ao trabalho depois de venerar a relíquia na catedral de Cristo Salvador, que está aberta noite e dia para receber os fiéis.
"Se uma pessoa tem fé, ela vem para cá", disse a enfermeira, destacando que as pessoas aguardam nessa fila por questão de livre arbítrio, diferentemente das longas filas formadas na era soviética para as visitas forçadas ao mausoléu de Lênin.
A prefeitura de Moscou fechou as ruas em volta da catedral, levando os moscovitas menos inclinados a venerar relíquias a reclamarem do trânsito mais engarrafado que de costume. Cantinas móveis foram montadas para alimentar os fiéis, e ônibus urbanos aquecidos proporcionavam alívio do frio cortante.
O benfeitor da Fundação Santo André Protocletos é Vladimir Yakunin, presidente da Ferrovias Russas e aliado de Putin. Ele disse que o cinturão -conservado no mosteiro Vatopedi, no norte da Grécia, onde a entrada de mulheres é vedada- é conhecido por promover a fertilidade.
"O cinturão da Santíssima Virgem Maria possui poder milagroso", disse Yakunin. "Ajuda as mulheres e auxilia no parto."
Também parece atrair pessoas que, tendo desistido do decadente sistema de saúde russo, têm a esperança de ser curadas de males como câncer, dívidas e maridos alcoólatras.
"As pessoas que parecem ter perdido a fé na medicina e esperam por um milagre vêm para cá", disse o padre Mikhail Ryazantsev, sacristão da catedral.
Os blogs e páginas de Facebook de intelectuais ortodoxos russos têm estado cheios de discussões sobre se a histeria em torno do cinturão seria um sinal perturbador de que a fé de muitos russos é baseada na superstição.
Num café movimentado perto da catedral uma jovem chegou correndo, emocionada, para contar a amigos que a aguardavam que tinha venerado o cinturão da Virgem Maria.
Para outras pessoas, o interesse por relíquias revela que os russos estão insatisfeitos e em busca de alguma coisa. "A fé nos ajuda a viver", disse Dmitri Gurov, 27 anos, que trabalha em um banco, na fila para ver a relíquia.
No entanto, a poucos quilômetros de Moscou, as pessoas podem viver sem gás ou água encanada. "A vida em nosso país é dura", disse Gurov. "Nunca sabemos o que vem pela frente."
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